Reflexões sobre a Resolução nº 332/2025 do Conselho Federal de Química
Por Lucas Menezes e Roberto Bigler – Advogados

Recentemente, o Conselho Federal de Química publicou a Resolução nº 332, de 24 de junho de 2025, tratando da obrigatoriedade de Anotação de Responsabilidade Técnica pelo tratamento químico e controle de qualidade da água de piscinas de uso público e coletivo. Embora o tema da saúde das pessoas seja, naturalmente, de interesse de todos, a forma e o conteúdo da norma suscitam sérias dúvidas jurídicas e práticas que precisam ser apontadas.
Em primeiro lugar, é necessário questionar a legitimidade do CFQ para impor tais exigências. A Lei nº 2.800/1956, que criou o Conselho, em seu artigo 8º, autoriza a expedição de resoluções “necessárias para a fiel interpretação e execução da lei”. O problema é que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XIII, consagra que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Ou seja, apenas a lei em sentido estrito pode restringir o exercício profissional, não uma resolução administrativa. Quando o CFQ, por ato próprio, define quais atividades da vida civil somente podem ser desempenhadas por químicos habilitados, invade competência exclusiva do legislador.
Outro ponto delicado é a tentativa de disciplinar piscinas localizadas em condomínios edilícios. Ora, tais piscinas estão em áreas comuns privadas, de uso restrito a condôminos e seus convidados. Não são estabelecimentos comerciais abertos ao público. A Constituição, em seu artigo 22, inciso I, estabelece que compete privativamente à União legislar sobre direito civil e trabalho. Assim, uma resolução de conselho profissional que imponha regras sobre a propriedade privada afronta o artigo 5º, inciso XXII, que garante o direito de propriedade.
O artigo 3º da Resolução vai além ao fixar vínculos admitidos entre o responsável técnico e o condomínio, o que representa ingerência indevida nas relações civis e trabalhistas. A escolha de quem contrata e em quais condições não deveria ser objeto de normatização por parte de um conselho profissional.
Há, ainda, impropriedades técnicas e de redação. O texto denomina condomínios edilícios como “estabelecimentos”, conceito absolutamente inadequado para entes despersonalizados de natureza privada. Além disso, o artigo 6º remete a um inciso inexistente e utiliza a palavra “jurisdição” para designar a área de atuação dos Conselhos Regionais, confundindo função administrativa com função típica do Poder Judiciário.
A confusão aumenta no artigo 7º, que prevê que, caso o condomínio negue acesso ao fiscal, o Conselho Regional acione a Vigilância Sanitária municipal. Ora, se o próprio texto admite não ter poder de polícia sobre propriedade privada, a consequência lógica é reconhecer a ausência de atribuição para fiscalizar condomínios residenciais.
No fundo, a resolução revela boa intenção, qual seja, a preocupação com a saúde coletiva. Contudo, o caminho adotado é equivocado. O interesse público deve sempre nortear a atuação do Estado e de suas instituições. Contudo, para que se imponham restrições dessa magnitude à propriedade privada e às relações de condomínio, seria imprescindível um amplo debate legislativo junto à sociedade civil organizada. Do jeito que está, a medida tende a gerar judicialização, transferindo para um Judiciário já sobrecarregado a tarefa de corrigir os excessos normativos.
Condomínios precisam estar atentos. Embora todos desejemos piscinas seguras e água de qualidade, não se pode aceitar imposições ilegais e mal redigidas que confundem mais do que esclarecem. O zelo com a saúde pública não se conquista por meio de resoluções apressadas, mas sim com leis claras, proporcionais e fruto de diálogo democrático.